Qual é o contrário do amor?
É o ódio? Não pode ser. Se o amor é a união mais forte entre duas pessoas, então o seu contrário deve ser aquilo que mais as afasta. O ódio não afasta as pessoas. Pelo contrário, atrai-as. Cria uma ligação entre elas. Quando dizemos que odiamos alguém, estamos inevitavelmente ligados a essa pessoa. Portanto, não é o ódio, nem nenhuma emoção.
- O medo.
O quê?
- O medo afasta as pessoas. Não as aproxima. O medo pode ser o contrário do amor.
Como é que sabes? Tu nunca amaste. Nunca amaste ninguém.
- Nem tu! Só pensas que amaste. Chiça! És tão indeciso que nem sabes o que sentes!
Então... o medo isola as pessoas e o amor junta-as? É isso?
- Talvez... Mas o amor nem sempre é união. Muitas vezes, também afasta.
Nesse caso, o amor é o seu próprio contrário. Não pode ser. O universo tem sempre um oposto distinto para tudo. Cima, baixo, positivo, negativo. Se uma coisa é oposta dela mesma, está deslocada. Não pertence aqui.
- No entanto, cá estamos nós a discuti-la. O que é que estás a fazer em casa a estas horas?
Não me apetece sair. Prefiro ficar sozinho.
- Então, o que estou eu aqui a fazer?
Ninguém te convidou. Podes-te ir embora.
- Quem me dera. Mas não me deixas. Estou presa a ti.
...Eu sei... Quem me dera que não estivesses.
- Também eu. És aborrecido e estúpido. Só precisas de mim para não te ires completamente abaixo. És patético. Eu nem sequer sou real.
Vai-te embora.
- Tu dizes isso, mas não é isso que queres.
É sim. Vai-te embora, por favor.
- Já disse que não consigo. Estás a mandar-me ficar.
Vai-te embora! Deixa-me sozinho!
- Está bem... Mas sabes que eu vou voltar... Porque se eu não voltar...ja sabes...puff...
...Eu sei...não te afastes muito...
- (suspiro) Não te preocupes. Não tenho nenhum sítio para ir...Ouve... Tu não és patético. Mas... também não és nada de especial... Desculpa. Adeus.
terça-feira, julho 25, 2006
domingo, julho 16, 2006
sexta-feira, julho 14, 2006
Everybody loves you when you're pink
E todas as noites, João Apolinário se sentava em frente ao computador. Os dias eram ocupados com assuntos maçadores e cansativos, como a escola, no caso dos dias úteis, ou o estudo, aos fins-de-semana. Mas á noite, por mais trabalhos que permanecessem inacabados ou qualquer teste importante no dia seguinte, era altura de descanso. Era nestes momentos que Apolinário se dedicava a conversar com amigos em chats (a conversa durante o dia nem sempre era suficiente) e a explorar a rede em busca daqueles pedaços de multimédia que o fizessem rir alto, fossem vídeos, músicas ou imagens. Mas era também á noite que Apolinário se transfigurava num outro ser. Que ser era esse, dependia exclusivamente da sua disposição ou da posição em que se encontrava. Mas a sua própria personalidade se adaptava á personagem que decidia encarnar. E com uma estante recheada de CD's com os mais variados jogos, a escolha era muita. Apesar de ser conhecedor de muitos géneros, a sua modalidade favorita era pegar numa arma e disparar nas suas preocupações e ansiedades. FPS, First Person Shooter, um jogo onde podíamos matar, esfolar e perder qualquer vestígio de humanidade, mas ainda assim sermos nós próprios, escondidos atrás da arma, com a cara oculta. Era o escape perfeito para aqueles dias de raiva e de frustração. Dias como hoje. Hoje Apolinário ia ignorar os amigos que o chamavam para a conversa, ia esquecer os alívios cómicos (não tinha grande vontade de rir). Por uma noite, Apolinário ia simplesmente esvaziar as mágoas inflingindo dor em inimigos pixelizados, anónimos o suficiente para se poderem parecer com os seus inimigos no mundo real.
Que FPS escolher? Não interessava realmente. A filosofia de todos é uma só. Só vives se matares. Tudo o resto é supérfluo. Não importa o objectivo, não importa a recompensa, nem sequer importa a TUA filosofia. Tudo o que sabes é que tens uma arma e todos os que encontras te querem impedir de conseguir o que queres (seja isso o que fôr). Por isso, Apolinário escolhe uma caixa com o nome Unreal Tournament. Abre-a e o computador ingere o disco, com um ruído metálico. É o FPS perfeito. Nada de histórias romanescas, ou demandas épicas. Apenas um mapa, tu e os teus némesis. O único objectivo é matá-los e sobreviver-lhes. E é divertido como o caraças!
Bang! Bang! Há duas explosões por cada tiro dado pela tua arma. Aquela que vês no peito do adversário e aquela que ouves na tua cabeça, que rebenta no âmago das tuas desilusões. Bang! Apolinário dispara. Tudo é deixado para trás e o que sobra não é um rapaz, é um predador. Os seus olhos vêem apenas sinais de movimento. Os seus ouvidos estão concentrados nas emboscadas que lhe são feitas. Os seus movimentos são precisos e planeados. A máquina de matar perfeita... pelo menos em teoria. Claro que Apolinário nunca teria coragem de pegar numa arma verdadeira e disparar sobre os seus semelhantes. Isso seria... errado...
A ilusão de carnificina é suficiente. Até á meia-noite, Apolinário cura os seus males à força da pistola.
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O dia seguinte não ajuda a manter o alívio que horas em frente ao monitor proporcionaram. Os mesmos fantasmas que o assombravam ontem, permanecem hoje em seu redor. Pudera! Com a mesma rotina todas as semanas, as preocupações sabem sempre onde o encontrar a determinada hora. Neste momento pairavam sobre o autocarro Nº 3, no seu caminho para o terminal. Lá dentro, Apolinário amaldiçoava mais um ignorante entredentes e só interrompeu esta actividade quando o autocarro parou e pela porta da frente entrou uma rapariga.
Tendo em conta a situação, Apolinário não tinha grande paciência para apreciar medidas femininas, mas não foi por isso que ela lhe chamou a atenção. Foram as cores... O cabelo cor-de-rosa (da cor das pastilhas elásticas) caía-lhe sobre os ombros e testa. Os óculos escuros tapavam-lhe os olhos, mas logo abaixo podiam-se ver os lábios pintados de verde-brilhante (até faziam reflexo). Para contrastar ainda mais, a camisola era preta e tinha uma enorme cara branca e esqueléctica estampada á frente, que parecia lançar um olhar maléfico directamente para Apolinário. Tinha pelo menos meia-dúzia de pulseiras em cada pulso, de todas as cores e feitios. O ombro direito estava tapado por um pedaço de tecido atado. Se descêssemos mais, veríamos ainda uma saia comprida, com bolinhas brancas e folhos, mas não comprida o suficiente para tapas os tènis azuis rotos e gastos. Trazia ao ombro uma mala a tiracolo enorme e, a julgar pela forma como a carregava com dificuldade, completamente cheia.
Ainda mal Apolinário tinha conseguido assimilar o choque, a rapariga aproxima-se do seu lugar e senta-se mesmo ao seu lado. Isto era outra coisa que irritava Apolinário. Bastava uma espreitadela em redor para ver que o autocarro estava quase vazio. Havia bastantes lugares onde ela se podia sentar sozinha. Porque raio é que o tinha "prendido" ali, virado para a janela, forçado a pedir licença quando quisesse sair? Além disso, aquele tipo de pessoas deixavam-no nervoso. Ainda mais quando ela afastou o cabelo com a mão, colocando-o cara a cara com uma orelha cheia de piercings (essas coisas eram o que mais o impressionavam pela negativa), abriu a mala e começou a beber de uma garrafa de sumo azul que tirou de lá.
Apolinário tentava não olhar, mas quando a rapariga começou a alargar o decote com a mão para assoprar no peito, não resistiu a lançar um olhar espantado. Ela apanhou-o, divertida e disse:
- Está uma grande brasa, não achas? Estou farta de suar. As cidades são muito quentes. Seria de esperar que os autocarros andassem com a porta aberta pelo menos!
Esta última observação foi menos para Apolinário e mais gritada para a frente do autocarro, onde o condutor a ignorou, assobiando.
- Pronto, mas nem toda a gente tem senso-comum. - Olha para Apolinário, que sorri e acena com a cabeça afirmativamente - Epá! Desculpa! Sou mesmo mal-educada, ás vezes! Chamo-me Rita. Rita Catita. Queres um bocado do meu sumo?
- Hmm, não. Obrgado. Chamo-me João.
- João?! Coitadinho! És mais um num milhão! (risos) Os pais de hoje em dia não são nada originais, pois não? És João quê?
- Apolinário.
- Ah! Isso sim! É um nome giro. Apolinário. Apolinário.
Enquanto Rita repetia o seu nome para si mesma, divertindo-se sozinha, Apolinário só pensava porque é que estas coisas lhe aconteciam a ele. Nunca falhava. Todos os malucos do Barreiro acabavam por ir sempre ter com ele e meter conversa. Seria da água de colónia? De qualquer modo, estava na hora de abandonar a companhia da menina cor-de-rosa porque a próxima paragem era a sua.
- Hem... Com licença. Vou sair.
- Hã? Onde estamos?
- Perto da Rua da Estação.
- A sério?! Então também tenho de sair! Podes ajudar-me aqui a fechar a mala?
Apolinário não percebeu bem à primeira. Depois, ao vê-la tentar enfiar novamente a garrafa num dos compartimentos da mochila, cheia de papeís, comida e objectos estranhos, empurrou também e, com esforço, conseguiu fechá-la.
- Muito agradecida. - depois, antes de sair, para o condutor - E obrigada por uma viagem fantástica! Espero que a próxima pessoa que se sentar aqui não se incomode com o suor!
O condutor lançou um olhar furioso e quase entalou Apolinário na pressa de fechar a porta traseira.
- Bem, mas que temperamento! - comentou Rita - Estás bem?
- Sim... estou.
- Vais subir? Por aqui?
- Hmm... sim. Tu também?
- Agora vou! Anda daí!
Mas isto nunca mais acabava? Quando é que ela o ia deixar em paz? Não lhe agradava nada que ela visse onde mora. Mas que remédio tinha ele agora? Tinha de ir para casa, de qualquer maneira. Subiu a colina na companhia da estranha rapariga. No topo, estava a sua casa, o edifício que podia ser visto de qualquer ponto do Barreiro, como dizia o Daniel. E ele, que morava no último andar, tinha vista previligiada de toda a cidade.
- Apolinário! Sabes uma coisa? Não és muito conversador.
- Hã... pois. O dia não me correu ás mil maravilhas.
- Ah, estou a ver! Um dia de cão, portanto? (risos) Deixa lá. Isso amanhã corre melhor.
- Isso foi o que pensei ontem.
- Ahá, mas aí é que está! Ontem ainda não me conhecias. Assim, amanhã já tens a história da "rapariga doida do autocarro" para contar aos teus amigos. (risos) Depois eles perguntam se eu era "bonita". E tu dizes: "Eh, mais ou menos". Claro que depois eles querem saber se eu era "boa". E aí já vais pensar duas vezes, porque apesar de Deus não me ter dado grandes atributos, não sou nada de deitar fora. E possivelmente vais-te sair com um comentário do género: "Era comestível" (risos)
Apolinário olhava para ela espantado.
- Hã? Apercebeste que acabaste de ter uma conversa sozinha?
- Eu sei. Acontece-me ás vezes.
- Bem, eu fico por aqui.
- Oh. É aqui que vives?
- ...Não. Vou ter com um amigo meu. Temos um trabalho de grupo para acabar.
- Ah! Ok! Não te chateio mais! Adeus!
A parte mais estranha deste já por si estranho encontro foi sem dúvida quando ela o abraçou na despedida. Ele retribuiu desajeitadamente, mas assim que se viu livre, apressou-se a entrar no prédio e nem olhou para trás. Que gente mais doida.
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