domingo, abril 23, 2006

História de uma viagem ao Norte VI

"Ah! Guimarães, finalmente, a cidade que respira história! Saímos do comboio cansados de tanta viagem e dirigimo-nos imediatamente e um daqueles placards que as cidades importantes têm, com o “Você está aqui” carimbado com um círculo enorme. A Vitória seguiu o dedo encostado no placard, (porque parecia ser a única que sabia o que procurar) e começámos a caminhada pela cidade, em busca da nossa pensão. Com curiosidade, ainda tive tempo de observar, ao longe, nas montanhas que nos rodeavam, uma árvore muito estranha. Quer dizer, a árvore em si nada tinha de estranho, o curioso era ser uma árvore tão alta, no cimo da montanha sem nenhuma outra árvore à volta. Nem nada mais alto que um arbusto. Isso dava àquela planta um significado quase sombrio, como se fosse um vigia. Comuniquei a minha descoberta à Sara (parecia ser a única minimamente interessada) mas lá tivemos de deixar a árvore em paz, porque a caravana não espera por ninguém.
Subimos a rua e vimos as decorações de Páscoa (as quais o pessoal do Norte levam muito mais a sério que nós do Centro), com bandeirinhas que mostravam o caminho para uma igreja lindíssima com o devido porte histórico. As casas rústicas davam um aspecto simpático à praça onde nos encontrávamos e havia espaços verdes com fartura.
Foi mais acima que tivemos de pedir direcções para a pensão. E foi também aí que recebemos a primeira impressão com gente rústica do Norte. (estou a ignorar o empregado de café que nos atendeu no Porto, mas esse também merece alguns créditos) Nem vale a pena dizer qual de nós viajantes foi o primeiro a abordar os dois senhores que conversavam animados. Mal a Vitória se aproximou, mostraram-se todo ouvidos. “Desculpe, mas onde é a rua tal-tal-tal?” “Então, menina, é já ali ao pé do estádio” “Pois, mas é que nós não somos de cá” (devo ainda dizer que o tom de voz da Vitória, quando interpela alguém para “negociações”, ganha uma aura angelical e inocente que me surpreendeu bastante).
Bem, graças à ajuda desses dois indivíduos, do taxista e do homem que seguia no táxi (que parecia árabe ou uma coisa assim, tive dificuldade em percebê-lo por causa da falta de dentes), conseguimos tomar o rumo apropriado ao nosso destino. Pelo caminho, ainda vimos umas varandas catitas, levámos com fumo de autocarro na cara, desviámos a atenção do André e da Cris de lojas de desporto e da Sara de uma loja de piercings, ou da Vitória e Tânia de lojas de roupa. Não pretendo excluir-me desta atenção em lojas propositadamente, se houvesse alguma loja que me interessasse naquela rua, como uma livraria ou uma DVDteca, teriam de me descolar da montra, mas eu, pelo menos, não vi lá nenhuma.
Uma coisa sobre Guimarães para a qual já me tinham alertado é o trânsito, que é caótico. Não tive chance de comparar dada a nossa curta estadia, mas já ouvi dizer, inclusivamente, que é pior que em Lisboa, o que já é dizer muito.
Passámos por muitos sítios em que dissemos: “Temos de vir aqui”. Claro que alguns desses locais nunca nos viram pôr lá os pés, tais como a Biblioteca (nós tentámos, mas tinha acabado de fechar) e a igreja lá perto. Mas passeámos bastante e vimos muitas coisas.
Finalmente, chegámos à pensão, onde nos indicaram os quartos, ao lado um do outro. Ou melhor, o quarto que elas as quatro partilhavam ficava mesmo ao lado do buraco que era habitado por mim e o Antunes. Elas tinham sala de estar, mini-frigorífico e uma vista para a rua (e via-se aquela estranha árvore). Nós só tínhamos casa-de-banho e quarto, com vista para um beco cheio de chaminés e aparelhos de ar-condicionado de outros apartamentos.
Pusemo-nos à vontade, o André e eu, enquanto as madames tomavam banho ou trocavam de roupa. Aproveitei para organizar as minhas coisas (gosto de ter uma mesa-de-cabeceira com os objectos bem-ordenados quando vou de férias) e para pôr a leitura em dia. Claro que isto foi depois de já ter tomado banho, razoavelmente bem. O Antunes também tomou banho e ainda esperámos bastante tempo (o André a ver televisão e eu a acabar o “A Sangue Frio”) até elas se despacharem e irmos todos dar uma volta.
O plano era encontrar um super-mercado e abastecermo-nos para na manhã seguinte irmos à Penha, um parque natural maravilhoso. A Tânia e a Vitória precisavam também de encontrar um Montepio para que a primeira pudesse levantar dinheiro.
Lá descobrimos uma superfície comercial, que, por ironia, se encontrava subterrânea. (eh eh, gostaram?) Foi o super-mercado mais estranho em que já entrei, porque estava de tal modo limpo e organizado que parecia intocado por mãos humanas. Além disso, as luzes brancas de néon davam-lhe uma aura de laboratório ou corredor de hospital. E estava quase vazio, o que lhe conferia ainda mais ambiente Twilight Zone.
Compras feitas num instante, em parte graças à organização da Vitória e ao conhecimento do Antunes no que respeita a comparação de preços. De volta para a pensão, para depois sairmos a ir jantar.
Dito e feito, passeámos pela cidade e encontrámos um snack-bar onde estavam a passar DVD’s de wrestling. Fantástico, a Sara e o Antunes não demoraram a sentar-se de frente para a televisão de plasma gigante. (também aquilo estava vazio, tirando um gajo estranho numa mesa que também estava concentrado na Tv)
Pouco tempo depois, estávamos já a comer os nossos hambúrgueres (de carne ou de soja) e as nossas francesinhas (que eram mais compridas que o meu braço) quando entra outro personagem, que cumprimenta o gajo que já lá estava sentado da seguinte maneira (e sempre com aquele delicioso sotaque nortenho): “Então filha da puta. O que é que fazes, caralho?”. Senti-me finalmente no Norte. Foi também mais ou menos nesta altura que a Vitória notou que a sua bebida estava fora de prazo. Imediatamente pediu para lhe trazerem uma nova (autoritária, como sempre). Então, foi a vez do André ter reparado que a sua bebida também estava fora de prazo e também pediu que lhe trouxessem uma nova (isto com o empregado cada vez mais atrapalhado). “Peço desculpa. Não se preocupem.”, dizia enquanto trazia as novas bebidas. Pois…
Acontece que também as novas bebidas (pelo menos a da Vitória) também estavam fora de prazo. “Tas a brincar?”, perguntava, nervoso o pobre rapaz. Finalmente, trouxe mais uma rodada e desta vez tudo parecia bem. Não faço a mínima se o meu IceTea estava fora de prazo, nem data de validade tinha, mas não sabia mal, portanto, para quê incomodar-me?"

domingo, abril 16, 2006

História de uma viagem ao Norte V

"Era meio-dia e tal quando chegámos ao Porto e tínhamos até às 2 horas para apanhar o comboio para Guimarães. Primeira preocupação: tínhamos fome. A solução? Uma rodada de bifanas à moda do Porto num café perto da estação. E digo-vos uma coisa, eles sabem fazer bifanas no Porto! Se a Sara não fosse vegetariana, tinha adorado mas nem toda a gente é perfeita.
Ora bem, com o bucho cheio e vontade de andar, decidimos visitar uns sítios antigos ali perto. Subimos por uma inclinação, descemos por ruelas e passámos pelo mercado, onde cheirámos o peixe. Por fim, atingimos um ponto alto, deixámos as malas a descansar (aquelas porcarias pesam, caraças!) e maravilhámo-nos com a vista. Dali conseguia ver pelo menos uma dúzia de produtoras de vinho, cada uma com o seu placard. Claro que se olhasse para baixo e para a direita, via também os bairros degradados com pessoas suspeitas, mas já me tinham dito que o Porto é assim.
Descansámos ali um pouco e tirámos fotos (menos eu, que não levei máquina de filmar ou fotografar, em parte por medo que fosse gamada, em parte por preguiça de fotografar/filmar e em parte por achar que sou um péssimo fotógrafo/cameraman e logo não valia a pena perder tempo com isso). Segundo me contaram, parece que ou a Vitória ou a Cris foram responsáveis por danificar um corrimão de pedra (quem manda sentarem-se?).
Mais descansados, regressámos à estação por outro caminho a fim de comprar os bilhetes para Guimarães. Ao chegarmos lá, ainda houve tempo para nos separarmos. O Antunes e a Cris foram ver revistas ou qualquer coisa do género e a Sara decidiu praticar o seu conhecido hábito de se afastar sozinha sem dar sinal e deixar toda a gente preocupada. Aparentemente foi tirar fotos.
Eu? Eu acompanhei a Tânia e a Vitória na aquisição dos bilhetes, onde testemunhei mais uma conversa amigável entre esta última e o homem da bilheteira.
Depois, sentámo-nos encostados a uma parede no átrio, já todos juntos outra vez, e fizemos os possíveis para passar o tempo. Enquanto eu me assustava com o miúdo de olhar assassino que estava sentado perto de nós, a Sara fazia o “swing” com umas bolas presas em fios com fitas a voar à volta e a Cristiana praticava malabarismo. Foi mais ou menos na altura em que uma delas colocou um chapéu no chão a pedir moedas (e após uns voos rasantes à cabeça de certas pessoas com aquela coisa do swing, apesar de algumas andarem mesmo a merecer por se porem à frente), que o senhor guarda da estação, senhor muito importante, nos disse para parar com aquilo. E foi daquelas alturas em que temi que o feitio da Sara ou da Vitória as levasse a lançar algo à cabeça do agente da autoridade. Felizmente, a única coisa lançada a ele foi uma língua de fora.
Bem, bem, é claro que aconteceram mais coisas na estação de S. Bento mas não me lembro de algumas e não vos quero aborrecer com facto irrelevantes como a rapariga que parecia levar a casa inteira na mochila ou os namorados que não se despegaram durante quase toda a nossa estadia lá (e que a princípio pensei tratarem-se de duas raparigas, mas sobrevivi com a decepção). É altura de apanhar o querido comboio com destino final no berço da nação.
Tomámos os nossos lugares, comprimimos as malas e ainda houve tempo para eu fazer figura de parvo quando um idoso nos perguntou se o comboio ia para a Travagem. Eu tentei, juro que tentei ler o mapa das linhas, mas a sério, pessoal, fica aqui um aviso. Nunca me peçam direcções. Por favor. Pelo meu e vosso bem. Eu nem cá no Barreiro consigo indicar ás pessoas onde é a Avenida do Bocage. Já sabem, peçam a outro.
De qualquer forma, uma senhora de idade salvou-me do meu embaraço e parecia que, afinal, o comboio não parava na Travagem. Ou parava? Na verdade já nem me lembro. Desliguei imediatamente do assunto.
De resto, a viagem continuou tranquila. Eu, a Sara, a Vitória e a Tânia estávamos sentados todos juntos e o Antunes e a Cris estavam juntos noutro lugar (isto é um padrão comum, podem começar a suspeitar de alguma coisa entre eles). Nós os quatro conversámos sobre a escola, o namorado da Tânia, colegas meus, colegas delas, a gravidez e o exame à próstata: qual o mais doloroso? Interrompíamos a conversa para um de nós gritar: “Yellow Car”. Permitam-me explicar. É um jogo. Não olhem para mim, foram elas que o inventaram, ou pelo menos, foi a Vitória.
É o seguinte: os carros amarelos são raros, por isso, sempre que um de nós avistava um, tinha de dizer, antes dos outros: “yellow car”. Bastante simples. A Vitória parecia ter um talento inato para aquilo, por isso a sua pontuação estava sempre acima de qualquer um de nós (se é que alguém andava a tomar nota). Este jogo perseguiu-nos, juntamente com outras coisas, durante toda a semana no Norte e desconfio que ainda não me vi livre dele mesmo cá no Barreiro."

sexta-feira, abril 14, 2006

História de uam viagem ao Norte IV

"Na sexta-feira, dia 31 de Março, sensivelmente um mês depois de termos começado a planear a viagem, cheguei acompanhado pela minha mãe e com o meu saco de viagem à estação dos barcos. Era o primeiro e ainda tive de esperar uns bons 10 minutos antes de aparecerem a Cristiana, a Vitória e a Tânia, todas juntas. O Antunes chegou um pouco depois.
A 5 minutos de partir o barco, só faltava a Sara. Onde estaria? Segundo as suas amigas, tinha estado na borga na noite passada, por isso devia ter custado a acordar. A própria Sara disse mais tarde que tinha acabado de acordar quando chegou à estação.
Mas antes disto, estávamos preocupados. Comprámos imediatamente bilhete para ela, de modo a estarmos prontos assim que chegasse. Claro que se ela se atrasasse, podíamos sempre apanhar o barco 10 minutos depois, mas tal nem foi necessário. Com a sua mochila gigantesca (que havia comprado já a pensar no InterRail que quer fazer para o ano que vem), a Sara foi avistada e dirigimo-nos para o barco.
Fui o último a reparar nela, o que é estranho pois normalmente consigo detectar aquela mancha de cabelo amarelo no meio da multidão. Apressámo-nos a despedir-nos dos nossos pais e a picar os nossos bilhetes.
Antes de entrarmos encontrei ainda a minha prima. Ela, que na noite anterior me tinha telefonado a dar dicas de sítios a visitar em cada cidade, desejou-me ali na prancha boa sorte mais uma vez e despediu-se de mim.
A viagem de barco para Lisboa foi normal, sem nada a declarar. Entretíamo-nos a ler suplementos e a conversar um pouco. Só em Lisboa é que me despedi da minha mãe, pois ela apanha todas as manhãs aquele mesmo barco para ir enfrentar a multidão raivosa no seu emprego de funcionária pública. Quanto a nós, caminhámos cerca de um quarto de hora (demorámos mais por causa dos sacos e mochilas) até à estação de Santa Apolónia, ironicamente onde o meu pai trabalha (mas ainda era cedo para o encontrarmos por lá, visto que me despedi dele em casa ainda meio a dormir).
Imediatamente me colei à Vitória para comprar os nossos bilhetes (especiais, estão a ver, porque ambos os nossos pais trabalham no ramo da ferrovia). Sim, o meu pai trabalha para a Refer e o dela na CP, logo temos direito a passes especiais que nos dão 4000 km grátis de viagens, quer de comboio, quer de barco, os quais deram muito jeito nesta aventura.
Pois bem, bilhetes comprados (após uns bons 10 minutos durante os quais me apercebi que a Vitória, além de líder natural, era também uma negociadora feroz, autoritária, mas sempre simpática com o homem que nos vendia os bilhetes e se ria de nós), entramos no comboio, arrumamos as malas e tomamos os nossos lugares. Temos uma longa viagem até à estação de São Bento, no Porto, por isso é a melhor altura para vos tentar dar uma descrição detalhada dos restantes membros da nossa expedição.
O Antunes e a Cristiana já foram analisados aqui, mas apenas deixei várias pistas sobre a Sara e a Vitória e da Tânia ainda nem comecei, mas vamos por partes.
Começo pela Sara, que é quem conheço melhor das três mas mesmo assim parece-me ser a pessoa mais difícil de descrever. Disse antes que costumo conseguir detectá-la ao longe, mas isso deve-se principalmente ao contraste que o cabelo curto e louro dela faz com as roupas pretas que usa (geralmente, pois também veste cinzento mas nunca nada muito colorido, salvo algumas excepções como meias ou tènis). Mas cuidado! Ao contrário do que esta vestimenta poderia dar a entender, odeia ser chamada de gótica, preferindo o termo “pseudo”, seja lá isso o que for.
É difícil sequer considerar uma análise psicológica à Sara, mas se tivesse de dar algumas “guidelines”, seria um por vezes exagerado sentimento de independência e uma atitude de, nas suas próprias palavras “odiar as pessoas”. Mas isso não a define, longe disso. É uma daquelas pessoas que tanto pode ser o ser humano mais simpático e amigo, como pode dizer coisas que magoam mesmo e te deixam em baixo. E é também uma das minhas pessoas favoritas, e olhem que a lista é pequena. Também se deve dizer que tenta disfarçar a sua inteligência com uma enorme auto-crítica, que em certas alturas chega a ser irritante. E não me arrisco a dizer mais.
Quanto á Vitória, tal como a Tânia, pouco poderia eu dizer neste começo de viagem, mas graças ao tempo que passámos juntos nos dias seguintes, pude traçar uns rabiscos psicológicos. A primeira, como já viram, não tem quaisquer problemas de timidez. Devo confessar que, antes de a conhecer, pensava ser uma “sex-bomb” com algumas qualidades próprias de uma ruiva, apesar de não o ser (devem ser os olhos verdes e as sardas que nos levam a essa impressão). Esta aura de superficialidade que eu colocava à sua volta desvaneceu-se quando descobri, entre outras coisas, que lia talvez até mais que eu, ouvia excelente música (além de cantar lindamente, o que foi mais que suficiente para travar os meus impulsos musicais). Era também a única que sabia onde ficavam as pensões, o que íamos visitar no dia seguinte, a que horas eram os comboios, portanto, a líder.
A Tânia era diferente, pareceu-me um pouco mais calada, mais reservada. Ingenuidade da minha parte, pois aprendi que, quando tem algo a dizer, di-lo. Quando tem uma opinião sobre uma pessoa, boa ou má, mostra-a sem pudor. Dir-se-ia ser uma rapariga frontal, que diz sempre o que pensa. O facto de ter namorado explica as tantas vezes que olhava para ela e a encontrava de telemóvel na mão, a mandar mensagens. Pelo que me pareceu, tem alguns complexos em relação à sua própria pessoa, como pensar que é gorda, coisa que não é. Mesmo nada. Mas quando gozamos com isso pode mesmo ficar ofendida, o que nos deixa destroçados. Foi provavelmente a pessoa que fiquei a conhecer menos bem nesta viagem e tenho pena disso, pois é uma rapariga divertida e bem disposta."

quarta-feira, abril 12, 2006

História de uma viagem ao Norte III

"Então, nesse mesmo dia, fomos falar com a Cristiana. Encontrámo-la quando regressámos à escola, no pátio. É mais uma daquelas personagens. Conheço-a há mais tempo do que o Antunes ou o Cláudio mas ela era muito diferente naquela altura. De menina boazinha passou a freak por natureza. As roupas de, bem, totó deram lugar a trajes multicoloridos e estranhas combinações. Mas o que mais se alterou foi o cabelo. Os cortes certinhos foram selvaticamente ceifados por golpes de tesoura feitos pela própria. O que restou no fim foi um penteado que lhe garantiria a entrada nos Duran Duran. Era esta a rapariga que parecia indicada para nos acompanhar. Poderia, no entanto, existir um obstáculo: a sua mãe.
A mãe da Cristiana é uma manipuladora autêntica. Em parte, isso explica as opções de moda chocantes da filha. Reza a lenda de que, certa vez, durante uma excursão de campismo da escola, sem saber para que parque da campismo seguia a filha, a mãe pegou no carro e realizou uma perseguição ao autocarro, à vista de toda a gente. Portanto, apesar de, com o tempo, este controlo sobre a filha ter diminuído um pouco (pelo menos é o que me parece), podia ainda causar dificuldades.
Felizmente, pelo que a Cristiana nos disse nesse dia, não haveria problemas dessa espécie. Aliás, se tivéssemos mantido a ideia inicial de ir para o estrangeiro, aí sim, a sua participação estaria comprometida. Assim sendo, garantiu desde logo que viria connosco. (embora, devo dizer, no caso da Cristiana, isto nem sempre é muito reconfortante. Podia fazer uma lista das vezes que já combinámos coisas e ela desmarca á última da hora)

Adiante, com mais um membro do grupo, decidi falar com o Apolinário durante uma aula de Geometria. Se não conhecem o Apolinário, imaginem um rapaz teimoso, sarcástico, egoísta e até um pouco convencido e, no entanto, praticamente impossível de não gostar dele. Prometeu que iria pensar na ideia, mas, tal como eu previa, depressa a recusou e preferiu seguir a populaça para Lloret.
Resumindo uma longa história, ocorreram muitas alterações ao grupo original de exploradores. No dia D, éramos seis. O Cláudio havia desistido por motivos que me são alheios e tinham-se juntado a mim, ao Antunes e à Cristiana mais três raparigas. A Sara, grande amiga minha, que não tínhamos convidado antes porque ela já tinha pago algumas prestações de Lloret mas, felizmente, conseguiu reaver o dinheiro e quis vir connosco. Com ela trazia duas colegas: Vitória e Tânia.
Uma das coisas mais difíceis de decidir foi que cidades visitar. Eu, o Antunes e o Cláudio tínhamos em mente Porto, Guimarães e Braga.
E assim ficou planeado durante uma ou duas semanas. Contudo, quando se juntaram a nós a Tânia e a Vitória, vimos que esta última não podia ir ao Porto. Não me lembro das razões (ou nunca as soube), mas imediatamente Coimbra veio substituir o Porto como paragem final da nossa viagem. E, vendo bem as coisas, ainda bem porque acho que preferi visitar Coimbra.
Mesmo assim, eu só soube dos destinos fixos para a nossa expedição quando o Antunes me disse que elas (principalmente a Vitória, pois a Sara e a Cristiana sabiam tanto quanto eu) já tinham marcado pensões em cada cidade, anulando assim o nosso plano de dormir em pousadas da juventude ao longo do caminho. Mais uma vez, ainda bem que o fizeram. Não sei como é uma pousada da juventude (nunca pus os pés em nenhuma) mas, pelo que me disseram, não é muito agradável. Além disso, com excepção de Guimarães, dormi lindamente em cada quarto. As pensões eram fabulosas. Foi mais ou menos nesta altura que me apercebi que esta viagem tinha um líder e que esse líder era a Vitória."

domingo, abril 09, 2006

História de uma viagem ao Norte II

"Tudo começa verdadeiramente durante uma manhã de sexta-feira, já não me lembro em que dia, durante um “buraco” no horário escolar em que o professor de Educação Física não apareceu para nos pôr a jogar futebol, basquete, ou outras coisas que, sinceramente, não gosto mesmo nada de fazer.
Digo eu que começa “verdadeiramente”, mas o embrião da nossa pequena viagem já tinha nascido na noite anterior, durante uma conversa com os meus pais, após uma reunião na escola onde se tinha discutido a viagem de finalistas a uma estância balnear em Espanha chamada Lloret de Mar. Eu já havia afirmado o meu desejo de ir, um pouco inconsciente pois na verdade apenas ia para acompanhar os meus colegas e, por isso, ainda bem que não fui. Contudo, os meus pais tinham estado a discutir com outros progenitores os prós e contras de tal viagem e, apesar de deixarem a decisão final a mim, como sempre, expuseram opiniões que me levaram a alterar a minha (não foi preciso muito, é verdade, como já disse não tinha grande vontade de ir).
Desde o preço exorbitante até aos cartões que ofereciam bebidas grátis em quase todos os bares da zona (nunca percebi porque é que pensam que para uma pessoa se divertir tem obrigatoriamente de beber, principalmente estudantes), passando por uma história, não sei de inventada ou não, de dois namorados que foram com a sua turma num dos anos anteriores e, durante uma troca de carícias em terreno instável, caíram de uma falésia e morreram, todos os argumentos foram usados para me dissuadir da minha vontade de ir.
Então, para não ficar triste ou melancólico por não ir na viagem, os meus pais começaram a dar ideias do que fazer com o dinheiro que não iria ser gasto (a não ser uma pequena parte que dei como primeiro pagamento de 35 euros). Sugeriram-me que juntasse ao que já tinha para comprar uma câmara de filmar, ambição minha de já algum tempo. Mas essa ideia foi posta de parte quando a minha mãe me sugeriu que usasse o dinheiro numa viagem própria, para outro sítio qualquer, com pessoas que não quisessem ir a Lloret. Desde logo, fiquei com isso na cabeça e dormi a reflectir nesse pensamento.
O que me leva de novo à manhã seguinte de sexta-feira e ao tempo livre de que dispúnhamos graças à falta de Educação Física. Emparelhei-me com o Cláudio e o Antunes, ambos da minha turma e fomos dar uma volta pela rua principal.
Tanto o Cláudio como o Antunes são sujeitos curiosos, aliás, tal como toda a gente que conheço (não sei porquê). O Cláudio é um rapaz pequeno, moreno (por causa de morar na Avenida da Praia, sem dúvida) e com um semblante calmo e descontraído que (tal como eu, antes de o conhecer) pode ser interpretado como o que muitos chamariam de “cara de parvo”. Tem, no entanto, razões para exibir aquele sorriso rasgado. É a inveja de muitos colegas de turma, devido ás suas notas e a sua fantástica habilidade para compreender a matéria em estudo. Além disto, e não como seria de esperar, é também óptimo aluno a ginástica pois tem um físico impressionante que não associamos normalmente a alguém tão inteligente.
Mas, se não é o lado de esperteza nem o de desportista a sair derrotado, então é o seu lado social. Não é rapaz de sair muito, quer á noite, quer de dia. (mas quem sou eu para dizer isto)
O outro rapaz, André Antunes, é o que gosto de chamar um “gigante gentil”. Tem um tamanho e figura imponente mas não é capaz de fazer mal a uma mosca. Aliás, tem medo de um razoável número de insectos, com especial destaque para as aranhas. O seu tamanho pode leva-o a ser desastrado, por vezes e em outras alturas as pessoas podem achá-lo burro ou duro de cabeça, mas quando o conhecemos melhor, vemos que não é nada disso e até é um rapaz simpático e amigo. Era com estes dois aliados que o plano começava a tomar forma.
Apresentei-lhes a ideia de sairmos numa viagem própria, longe dos excessos de Lloret, uma vez que nenhum de nós gostava de beber álcool. Se fôssemos para lá sem a mínima intenção de nos embebedarmos seria como colocar um diabético num concurso de comer chocolate. (que metáfora tão má)
Estávamos então decididos, iríamos numa jornada alternativa. A questão: onde? Durante o nosso pequeno passeio, paramos em diversas agências de viagens e olhámos para os panfletos de vários países interessantes. Neste momento estávamos ainda decididos a ir para o estrangeiro mas depressa alguém (não me lembro quem) sugeriu um “intrarail”, uma visita ao nosso próprio país.
Ficámos a magicar nisso e começámos também a decidir quem iríamos convidar. Pensámos nas pessoas que não iriam a Lloret nem gostavam muito de beber ou grandes loucuras. Em resumo: o nosso “tipo” de pessoas. O nome da Cristiana veio imediatamente à baila. Depois o do Apolinário. Mas por enquanto, era só. Não queríamos espalhar a nossa ideia demasiado para que não tivéssemos de aturar pessoas que, sinceramente, não nos apetecia partilhar as férias. "

sábado, abril 08, 2006

História de uma viagem ao Norte I

"Esta não é a melhor altura para contar esta história. A melhor altura seria há uma semana atrás, quando a viagem começou, e ao longo da mesma, registando todos os factos e curiosidades da nossa digressão pelo Norte. E eu até levei um caderno, para o caso de o cenário de uma nova terra me dar inspiração seja para o que for, mas, se tal aconteceu, ou não reparei, ou não tive pura e simplesmente tempo de escrever.
A culpa é minha, por só ter a ideia de fazer este relato durante a viagem de comboio de volta ao Barreiro, num daqueles momentos de aborrecimento quando a leitura já não se colava ao cérebro e tinha de ler a mesma frase várias vezes até perceber o significado, e toda a música disponível estava a ser utilizada por outros. Foi nessa altura que saquei do meu caderninho. Por um grande momento (tão grande como me pareceu) não encostei sequer a caneta ao papel. Limitei-me a ler e reler aquilo que havia andado a escrever há já umas semanas. O meu projecto máximo (já o foi mais) que é a escrita de um argumento, um guião de uma série de televisão sobre mim mesmo e alguns dos meus amigos, 3 deles membros desta viagem. Virava as páginas e ria-me com a maneira horrível com que escrevi algumas cenas e, não pretendendo ser vaidoso ou algo assim, é verdade que também me espantei como certos pedaços de texto faziam muito sentido e estavam, arrisco-me a dizer, bastante bons. Tive realmente prazer em relê-los, como se estivesse a ler algo que outra pessoa escreveu.
Não vos vou maçar mais com os detalhes da minha tentativa praticamente destinada ao fracasso de fazer fama e fortuna (porque também sou materialista) e também de marcar o meu lugar neste mundo, dizer “eu estou aqui!” e todos me reconhecerem para que possa viver um pouco mais que as outras pessoas.
O importante é que, ao chegar a uma página ainda imaculada, cheia de expectativas, retirei a tampa da minha caneta e comecei a preenchê-la. Primeiro devagar, tirando grandes pausas para reflectir e observando os meus colegas de viagem que, ou jogavam á sueca, rindo-se da falta de coordenação uns dos outros para compreender os sinais, ou, como o André ao meu lado, ouviam música enquanto olhavam, ora para a paisagem, ora para o meu lado, tentando (em vão, espero eu, pois é uma coisa que me irrita) ler o que escrevia há medida que o escrevia.
Contudo, após a timidez inicial, e apesar do desconforto dos assentos, a caneta começou a deslizar com mais suavidade e ritmo, chegando ao fim da página e virando-a, continuando a deitar tinta do outro lado. Escrevia com gosto, algo que não me acontecia desde o princípio da viagem e cheguei a atrair a curiosidade de algumas das minhas colegas. Uma delas chegou a lançar a piada que eu escrevia uma carta de suicídio e deviam impedir-me.
E o que escrevia eu? Sem o saber, escrevia o embrião daquilo que espero ter a vontade e paciência de vos mostrar nas próximas páginas: um relato da nossa viagem de férias da Páscoa a três cidades deste país (ou quatro, se contarem o tempo no Porto á espera de comboio). Esta ideia perseguiu-me desde que fechei aquele caderninho até agora, que a estou a pôr em prática e há-de estar comigo enquanto me der gozo explorá-la e não for chamado por outras responsabilidades.

De qualquer modo, espero que gostem e me desculpem pelas ocasionais e inevitáveis incongruências presentes neste texto mas, como já expliquei, comecei a escrever isto um pouco tarde e é provável que não me lembre de bastantes pormenores importantes, ou me recorde de outros completamente banais.
Espero também que nenhuma das pessoas mencionadas neste jornal fiquem ressentidas ou chateadas com o que estou prestes a escrever sobre eles. Adoro-os a todos. E por isso é que irei considerar muito bem se hei-de ou não publicar este pequeno impulso criativo, seja num blog ou num site. Agora, não empato mais e vamos ao que interessa."