terça-feira, maio 30, 2006

Cherry


ATENÇÃO: este excerto passa-se antes de tudo o que já escrevi desta história, seja no meu blog ou fotolog. isto faz parte do começo. enjoy :)

Ninguém disse uma palavra durante a viagem de carro. Lídia limitava-se a olhar pela janela, para os lindos campos irlandeses, cheios de verde até onde a vista alcançava. Apesar de a encherem de receio sempre que se encontrava sozinha na sua vastidão, sempre era melhor que olhar para o seu lado e ver as lágrimas de Rute. Ela era daquelas pessoas que mostrava sempre o que sentia e neste momento não conseguia parar de soluçar. Lídia temia que, se olhasse para ela, não tardaria muito a fazer-lhe companhia no choro.

Quem parecia mais calmo era o primo de Rute, Cass, que ia a conduzir o carro, um Honda prateado de que tinha muito orgulho. Era a personagem mais enigmática no carro. O único que Lídia não tinha compreendido inteiramente ao longo da semana que passou na sua companhia. Em certas alturas, parecia completamente ausente, como se estivesse a pensar em coisas imensamente mais importantes. Mesmo assim, na noite em que apanhou aquela grande bebedeira, que até vomitou todo o caminho para casa, foi ele quem ficou com ela e lhe segurou a cabeça quando as entranhas pareciam querer sair e dar um passeio. E conversaram toda a noite. Sobre o quê, é que já é mais difícil recordar. Estava bastante "tocada" pela loucura dos bares irlandeses.

Ao lado de Cass, no lugar do morto (Lídia adorava esta expressão) ia Aileen, a madrasta de Rute. O pai tinha casado com a mãe de Rute em Portugal, mas tiveram problemas e divorciaram-se. Depois disso, conheceu Aileen e vieram morar para a Irlanda, quando Rute tinha 7 anos. Nessa altura, ela e Lídia eram melhores amigas e faziam tudo juntas. As maiores dores que Lídia já sentiu foram na alma, quando Rute lhe disse que tinha de partir. Eram duas raparigas bastante diferentes, mas deram-se bem desde que se viram pela primeira vez. Rute tem cabelo castanho e óculos. É pálida como um fantasma, e parece-se com um quando usa os vestidos longos pretos que tanto gosta. Já Lídia tem cabelo de corvo e uma postura mais descontraída. Neste momento veste-se com umas jeans e uma camisola ás riscas pretas e brancas. Tem uma cara de criança traquina, com um nariz empinado e um sorriso maroto.

Pararam em frente á estação do Ferry. Lídia saiu e ficou fascinada com aquele braço de mar que a separava do continente. Cass levou-lhe as malas para o barco e Aileen foi comprar o bilhete. Lídia sentou-se numa colina e inspirou o ar puro. Rute fez-lhe companhia, ainda limpando os olhos. Olharam uma para a outra e não disseram nada. Simplesmente abraçaram-se durante muito tempo, até Aileen as chamar.

Lídia apressou-se a escolher um lugar á janela, para não perder de vista os seus amigos. Colocou a cabeça entre os braços e ficou a olhar para eles, tão lindos com a paisagem campestre atrás. Dava uma excelente fotografia. Pena que Lídia não gosta de fotografias. Fazem-na triste. Como agora...

Quando o barco apita a partida, Rute acena vigorosamente o braço, em sinal de adeus. Lídia imita-a, finalmente deixando as lágrimas cair com vigor. Cass limita-se a fazer uma saudação e Aileen sorri. Lídia memoriza aqueles rostos para não os esquecer nunca. O barco afasta-se e rapidamente, ela deixa de os ver. Quando se apercebe que já não acena a ninguém em particular, recolhe-se e deita-se no banco a ouvir música num leitor de MP3. É uma longa viagem até Roscoff, na França. E depois o Barreiro...

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Interlúdio: A Wolf At The Door

Acordou num sobressalto. Olhou em redor e só via a cabine do comboio escura e sombria. Lá fora, a paisagem corria atrás das cortinas vermelhas, iluminadas pelo brilho do nascer do Sol. Tinha o braço dormente por ter estado deitada em cima dele. Cheia de frio, retirou o casaco da mala e tapou-se. Estava exausta. Andava a viajar há 3 dias sem dormir ou comer decentemente. Mas estava feliz. Podia ter a memória turva mas lembra-se de ter visto as paisagens de Espanha ontem á noite, antes de adormecer. O que queria dizer que devia chegar ainda hoje a casa. Finalmente. Já tinha saudades dos pais e do irmão. A mãe devia ter passado uma semana stressante, com a filha noutro país. Era mesmo mãe-galinha, mas sempre a tinha deixado ir nesta aventura. Depois de muito pedinchar, claro.

Encontrou umas bolachas insípidas no bolso do casaco e comeu-as, enquanto se tentava lembrar do sonho que a fez despertar tão bruscamente. Só conseguia ver na cabeça uma menininha, de vestido vermelho e cabelo preto, muito parecida com ela. E estava a olhar para algo, á porta de seu casa. Era um animal qualquer, um cão talvez. Ele estava de pé, como que a guardar a porta, um sentinela. Mas ela não tinha medo, estava calmissíma. Até estendeu a mão para lhe fazer uma festa na cabeça. Quando os dedos já tocavam no pêlo escuro e grosso, ele saltou! E depois disso acordou. Estranho. Entretanto, com tanto esforço mental e com um estômago vazio, Lídia voltou a adormecer no banco.

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Quando voltou a despertar, fê-lo com a maior calma do mundo. "É para compensar pelo susto de há pouco", pensou. Agora já eram pelo menos uma 11 da manhã, e a barriga estava tão oca que doía. Com uma mão sobre o umbigo, para acalmar a fera, procurou em todos os bolsos mais algumas daquelas bolachas sonsas, sempre era melhor que nada. Claro que podia ir ao bar do comboio ou comprar algo na próxima estação, mas a verdade é que não lhe agradava nada a ideia de deixar a cabine com as suas coisas.

Não encontrou comida, mas sim um isqueiro cor-de-latão. Ela não fumava, pelo menos agora. Mas aos doze anos decidiu experimentar para ver como era. Não deixou de o fazer até os pais descobrirem, aos 15. Mesmo assim, gostava de coleccionar isqueiros e sentir o peso de cada um na mão. Acendê-los e ver a chama dançar. Nos dias em que se sentia mais melancólica, aproximava a mão só o suficiente para sentir a queimar. Este tinha sido um presente de Cass, quando soube da sua mania. A de coleccionar, claro, não a outra. Era comprido e simétrico como um isqueiro deve ser. Tinha uma imagem de um trevo em relevo. Lídia divertiu-se a acendê-lo e apagá-lo umas quantas vezes para enganar a fome. Fartou-se depressa e, ao fim de um bocado, fazia-o mais por teimosia que por outra coisa.

Foi então que a porta da cabine se abriu com um deslizar suave. Lídia guardou o isqueiro. Um rapaz da sua idade olhava para dentro do compartimento. Era moreno e tinha o cabelo num rabo-de-cavalo. O fato azul, gasto, que usava não condizia com os ténis brancos, nem com a mala colorida, cheia de autocolantes e nem com a gravata vermelha berrante. O olhar meio-alucinado e uma boca cheia de uma substância branca cremosa completavam o personagem bizarro. Falou numa voz relaxada.

- Estás sozinha? Importas-te que fique aqui? O resto está tudo cheio.
- Não, estás á vontade.

O que havia de dizer? Não podia proibi-lo de se sentar ali. Era muito egoísmo pensar em ter a cabine só para ela. O rapaz fechou a porta, guardou a mala no canto e sentou-se á janela, de frente para Lídia. Enquanto fazia isto, ela colocava os fones do leitor de MP3 nos ouvidos, para evitar qualquer tentativa de conversa. O rapaz sentou-se.
Apressou-se a colocar a mão dentro do casaco comprido que lhe chegava aos joelhos e retirou de lá uma caixa de cartão. Abriu-a, com olhar guloso. Lá dentro estavam bolos compridos, colocados geometricamente. Sem qualquer cerimónia, agarrou num e colocou-o inteiro na boca, mastigando vorazmente. Ao mesmo tempo, emitia sons de prazer e delícia, com os olhos fechados. Lambuzava-se todo com o doce.
Lídia tinha dificuldade em desviar o olhar ou concentrar-se na música com este espectáculo decadente mesmo ali. Ele engolia tão depressa que engasgava-se facilmente e tinha de bater vigorosamente com a mão no peito.

Quando acabou, parecia que tinha acabado de fazer sexo ou coisa parecida. Foi então que olhou para a colega de cabine. Lídia apressou-se a desviar o olhar para a paisagem. Ele estendeu-lhe a caixa dos bolos.

- Queres um? São deliciosos!

Ela hesita.

- Vá lá! Tira um.

Sem paciência para contrariar malucos, Lídia aceitou. Assim que cumpriu a função de cortesia, o rapaz meteu mais dois na boca e devorou-os ruidosamente. Lídia deixou escapar um riso de crítica.

- Gostas mesmo destas coisas.
- É divinal! Nunca provei nada tão bom! (engole, com dificuldade) Desculpa as minhas maneiras - disse, limpando as mãos num guardanapo estendendo-lhe a direita - Sou o Luís.
- Lídia - responde, apertando-lhe a mão - Hem... Luís... tens uma coisa aqui (aponta com o dedo para o canto do lábio)

Luís não faz nada por um momento. Depois, tenta olhar para a própria cara e lambe o local indicado. Sorri satisfeito. Parece uma criancinha.

- Está melhor?
- Está. Obrigada pelo bolo.
- Tinhas cara de ter fome. Estás a viajar há muito tempo?
- Estou neste comboio há 3 dias. Porquê? Nota-se?
- Hum... Isso depende. Tens sempre essa cara tão bonita?

Lídia dá uma gargalhada irónica. O tom de voz dela modificou-se rapidamente para áspero e agressivo.

- Vai gozar com outra pá! Quem é que pensas que és? Só porque entraste na minha cabine, não quer dizer que me possas engatar! Não me parece mesmo nada.

Lídia não tem paciência para pessoas inúteis. É o que ela lhes chama. Aquela gente que só mete conversa com um objectivo em mente. Por isso é que os provoca o mais possível, para ver o que fazem quando percebem que não levam nada dela. A maioria abandona a conversa, ou vai-se mesmo embora dali. Não foi o que aconteceu com Luís, que simplesmente colocou uma cara de inevitabilidade e disse:

- Bolas! Eu bem tentei. Que tal mais um bolinho para a causa nobre?
- Acho que não. - sentiu uma certa satisfação com a reacção de Luís.
- Ainda bem. Não és a única com fome, sabes? Se não tivesse comprado isto na última estação, a esta altura já tinha desmaiado. Só espero que cheguemos depressa ao Barreiro.
- Também vais para o Barreiro? - perguntou, surpresa.
- Vou. Tu também?
- Sim. Moras lá? Ou estás só de passagem?
- Podiam ser ambos. Mas não moro lá. Vou só ter com uns amigos. A julgar pela bagagem que levas, diria que tu tens alguém á tua espera.
- Sim. Devem estar ansiosos. Não me vêem há uma semana.
- Onde estiveste?
- Irlanda. Já lá foste?
- Hum... acho que nunca passei por lá.
- Achas? Então? De onde é que tu vens?
- Bem, não venho propriamente de um sítio específico. Ando por aqui e ali já há uns bons 3 anos.
- 3 anos?! Os teus pais deixaram-te fazer uma viagem dessas?!
- Esqueci-os. Ninguém manda em mim. Os meus pais abandonaram-me cedo, desistiram de mim, por isso abandonei-os assim que pude. Decidi que não tenho pais, tenho professores. Quando deixam de ter algo para me ensinar, vou-me embora.
- Boa filosofia. Às vezes gostava de esquecer os meus pais.(sorri) E onde é que estiveste este tempo todo?
- Bem, maior parte do tempo estive no Japão. Mas também vi o resto da Ásia e a Europa de Leste. Depois, passei por o que quer que estivesse no caminho até onde estou agora.
- Uau! Tiro-te o chapéu. Quem me dera poder viajar assim. Mesmo para ter esta semana tive de fazer loucuras e mesmo assim os meus pais fizeram cara feia. És um sortudo.
- Digo-te já que é extremamente desconfortável andar 3 anos de comboio.
- Comboio? Porque é que não foste de avião?
- Minha cara, eu sou livre, mas não sou rico. Além disso, não gosto de voar.

Coloca novamente a mão dentro do longo casaco e retira de lá duas garrafas de Coca-Cola. Estende uma a Lídia.

- Tens sede?
- És cheio de surpresas, tu! (pega na garrafa)
- Tudo para agradar uma certa rapariga.
- (rindo-se) Já te avisei para parares com isso. Não sou dessas que vai com o primeiro tipo que aparece ou que beija no primeiro encontro ou essas tretas todas.

Todo este diálogo tinha deixado Lídia confusa mas, de certo modo, bem-disposta. Falar com este rapaz tinha-a animado, de alguma maneira. Reflectindo nestes acasos da vida, Lídia deu um gole na Coca-Cola.


(eu sei que está grande, mas se não têm tempo, voltem outro dia e leiam mais um bocado. espero que cheguem até aqui e comentem o que pensam. =D)

6 comentários:

Anónimo disse...

Rute = Inês
Lídia = Marta
????????

xD

Anónimo disse...

"Vai gozar com outra pá! Quem é que pensas que és? Só porque entraste na minha cabine, não quer dizer que me possas engatar! Não me parece mesmo nada."
"Já te avisei para parares com isso. Não sou dessas que vai com o primeiro tipo que aparece ou que beija no primeiro encontro ou essas tretas todas."
Não sei se alguém diria isto...

Anónimo disse...

But it's cute =D

Anónimo disse...

Foi o que eu pensei quando li o primeiro paragrafo e deixei o resto para outro dia - hoje, bem mas afinal não ficou nada grande, é cativante até, boa história

[]

Anónimo disse...

Fui que escrevi sim...o que achas? =P
See ya* * *

Célia disse...

Olá! tá bonzinho?
gostei do seu comment lol tava bonito, tava =P
Espero k tenha gostado do meu blog! e k n tenha feito cm eu k vim ca so comentar e nem seker li (mas prometo k com mais tmp vou ler ;))

********jokitas