terça-feira, maio 09, 2006

Hot Milk


- Desculpa! Desculpa! Peço muitas desculpas! - exclamava o rapaz de olhos azuis enquanto se dirigia á cozinha para encher um copo de água, depois de se ter certificado que eu me aguentava na cadeira sem cair.

- Toma. Bebe. Fui muito estúpido por não me lembrar, mas a culpa também foi tua. Não tinhas nada que fugir para ali. A mistura ainda não é perfeita e faz mal a quem não está habituado. Na verdade, podias até ter morrido se ficasses lá mais tempo. E depois ficava tudo estragado. Realmente, não sei como pude ser tão distraído.

Não fazia a mínima ideia do que ele estava para ali a falar, mas a água fresca soube-me bem para acalmar as entranhas ardentes. Bebi tão avidamente que encharquei a camisola com o líquido que não conseguia meter na boca.

- Estás melhor? - continuou o rapaz - Não te dou mais àgua porque não sei o que pode fazer á mistura dentro do organismo. Mas acho que podes beber leite. Sim! Sim! Leite não faz mal! É orgânico! Volto já!

Tirou-me o copo das mãos com violência e abandonou-me para regressar para trás do balcão, abrir uma espécie de frigorífico minúsculo e aquecer o conteúdo de uma vasilha que de lá retirou.
Eu ainda não tinha recuperado completamente. A minha boca estava sequíssima e não parava de molhar os lábios com a língua, o que só piorava a sensação. A sensação de bem-estar parecia muito distante, agora que me ardia o o peito e tinha dores agudas nas articulações. A visão ainda estava um pouco turva, mas consegui olhar pelas secções das janelas que não estavam tapadas por tábuas e ver edifícios familiares. A igreja, a escola, e até a casa de um amigo meu, fácil de identificar por se tratar de um prédio muito alto no cimo de uma elevação do terreno.

- Onde estou?
- Ah! Consegues falar? Menos mal! Quer dizer que não apanhaste uma dose muito forte.
- Onde estou? - repeti - Estou no Barreiro?
- Claro. Onde mais podias estar?
- Então... não morri?
- Bem, não! Mas já te disse, foi por pouco! Mais um minuto, talvez e...

O rapaz fez um esgar de caveira e arastou o dedo indicador pela garganta, fingindo que a cortava. Continuava confuso, mas demorei um momento a avaliar o meu anfitrião. Como já disse, por ser a primeira coisa em que reparei, tinha olhos azuis. Mas não eram nada comuns. Podia-se realmente dizer que "saltavam á vista", de tão grandes e redondos que eram. Pareciam mais duas poças azuis-safira hipnotizantes. Para alguém com olhos assim, o cabelo louro não era surpresa. O do rapaz era, ao mesmo tempo, dourado e sujo, e levemente despenteado, com riscos que lhe caíam para a cara e contribuíam para uma expressão de demente. No geral era magro, quase esqueléctico, e isso via-se na cara e por as roupas que usava lhe estarem exageradamente largas. Vestia uma T-Shirt branca com letras a azul-escuro que diziam: "Vote For Pedro" e que lhe ficava quase pelos joelhos. As "jeans" descaíam um pouco para a esquerda e não pareciam ter nada a que se agarrarem no corpinho escanzelado. Por fim, uns ténis rotos e sujos para além de se poder adivinhar a sua cor original completavam o quadro.

- Uh! O leite já deve estar a ferver! Espera aí!

Não disse nada. Fiquei ali á espera até que ele me apareceu com uma chávena fumegante de líquido branco pastoso. Poisou-a na mesa e sentou-se à minha frente, com os braços cruzados e observando-me. Achei que estava á espera que bebesse o leite, por isso levei o púcaro á boca e lancei-lhe uma expressão de agrado, apesar de estar a queimar os lábios. Durante o que me pareceu ser muito tempo, cada um parecia estar á espera que o outro dissesse algo.

- Olha, eu sei que deves estar confuso. Desorientado, mesmo. Mas não corres perigo nenhum. Estás mais a salvo aqui dentro do que lá fora, com todos os carros e assassinos e coisas dessas. Se tiveres alguma pergunta, diz á vontade.

- Não me lembro muito bem do que aconteceu antes de entrar naquela sala... com o...
- O Bob.
- Isso... o Bob... Como é que eu vim aqui parar?
- Bem, se não te importas, preferia esperar que ele chegasse antes de te começar a contar coisas importantes. E isso faz mais ou menos parte da história. Mas eu prometi-lhe que esperávamos por ele. Sabes, ele gosta muito de ser o centro das atenções, contar as melhores partes. Além disso, tem orgulho sabes, o plano foi quase todo ideia dele. Eu só entrei com os pormenores técnicos. Portanto, por enquanto, não posso responder a perguntas dessas. Desculpa. podes perguntar outra coisa e eu digo se posso responde ou não.

Reflecti um pouco.

- Quem é o Bob? O que é o Bob? Podes dizer-me isso?
- Bem... ele também é parte integrante da história. Por isso... não. Desculpa.

Já estava ficar farto da atitude do rapaz. Fartava-se de me dizer para lhe perguntar coisas, mas não podia responder a uma única questão que lhe fazia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Giro =D

é interessante sim, se bem que continuo à espera que o rapaz tenha dupla personalidade e se torne mesmo demente x)

continua assim ...

[]