segunda-feira, maio 22, 2006

Mountain Skull

Luís vestia-se discretamente, e, se o visse na rua, provavelmente não olhava para ele duas vezes. Calças pretas com uma camisa branca insípida e uns ténis azul-escuro imperceptíveis por baixo da dobra das calças, que eram obviamente um número acima. Nenhum adorno inútil ou algo que se distinguisse. Para evitar que o cabelo lhe caísse no rosto cor-de-avelã e de aspecto matreiro, usava-o como rabo-de-cavalo. Se me fazia lembrar alguma coisa, era um desses artistas da beat generation que proclamam poesia em bares nova-iorquinos.
Puxou para cima da mesa um saco de plástico e de lá de dentro retirou um disco de vinil embrulhado numa capa transparente. Entregou-a ao rapaz de olhos azuis.

- Toma. Trouxe-te uma coisinha interessante. Vai lá pô-la a tocar.

O rapaz de olhos azuis obedeceu. Depois, o poeta virou-se para mim.

- Espero que não te importes, mas gosto muito mais de contar uma história com boa música de fundo. Tu gostas de música?
- Sim. - respondi.
- Bem me parecia. Costumas ouvir o quê? Rock? Pop? Tecno?
- Mais rock que outra coisa. - sentia-me mais animado a falar com este interlocutor aberto e simpático. Transmitia uma certa calma na maneira como prolongava as palavras.
- Também gosto muito de rock, mas para certas ocasiões são necessárias certas músicas. Por isso, como esta é uma ocasião importante, achei que música clássica seria o mais adequado. Conheces alguma música clássica?
- Mais ou menos. Já ouvi Beethoven, Mozart...
- Os pesos-pesados, não é? Bem, o que vai tocar agora é um pouco menos grandioso. Mas nem por isso menos belo.
- Quem é?
- Chama-se Schubert. Franz Schubert, acho eu. Ouve.

Abri bem os ouvidos para ouvir a agulha do gira-discos tocar levemente o o vinil e o tranquilizante crepitar do microfone nas colunas de madeira. Poucos segundos depois, chegou a música, quase tímida, a toques de piano e violino. Era calma, nada de grandes movimentos ou instrumentos pesados. Simplesmente aquele piano e violino, que pareciam manter um diálogo entre eles. O rapaz fechou os olhos e deixou-se embalar. Quando os abriu novamente, exibia um sorriso.

- Lindo, não é?
Acenei afirmativamente com a cabeça.
- Agora que estamos instalados, podemos ir ao que interessa. Como te disse, antes de fazeres perguntas, tenho uma história para te contar. Peço-te que prestes atenção, é muito importante. Podes não percebê-la agora, mas quero que fiques com as palavras gravadas na tua mente, exactamente como eu te as disse. Ok? Preciso da tua total concentracção. Fazes-me este favor? Depois respondo a tudo o que quiseres.
- Ok.
- Bem, uma pessoa contou-me esta história há algum tempo. É apenas um fragmento de uma lenda maior, mas, infelizmente, há muito perdida. Fala de dois budistas: um mestre e um pupilo. O mestre leva o seu aluno numa viagem de auto-descoberta e, ao fim de muitos dias de caminhada, chegam ao sopé de uma montanha. Era um local inóspito, sem qualquer sinal de vida, apenas desolação. Foi então que o mestre, Bodhisattva, disse:
" - Aquilo que pediste para ver ser-te-á mostrado. Mas o local da visão é longíquo e o caminho é longo e duro. Segue-me e não temas. Ser-te-ão dadas forças."
O aluno não colocou quaiquer objecções, e começaram a subir a montanha. Não era tarefa fácil, pois nã havia caminho definido nem plantas para se agarrarem. O próprio chão parecia inseguro, frágil e, de vez em quando, pedaços soltavam-se e ecoavam enquanto rolavam montanha abaixo. Além disso, uma neblina cobria tudo á frente dos olhos dos dois homens e não os deixava ver nada.

O rapaz de olhos azuis sorria troçando da forma como o outro parecia empolgado em contar a história, criando uma atmosfera de mistério.

- Mais uma vez, o mestre voltou-se para o aluno e disse:
" - Não temas, meu filho. Perigo não existe, apesar de o caminho ser assustador."
Continuaram a escalar e em breve anoiteceu mas eles não se demoveram. Debaixo das estrelas eles caminharam e o mestre apenas dizia:
" - Há que continuar! Não percamos tempo! A reunião é ainda muito longe daqui!"
Na escuridão, chamas que se acendiam e apagavam no mesmo instante começavam a assustar o jovem peregrino. Mas mesmo assim, não se queixou.

Aqui, o rapaz fez uma pausa, presumivelmente dramática.

- Mas, quando o Sol surgiu por trás do horizonte... o aluno gritou...
AaaahhhhhhhH!!!!!!!

O Luís estava em cima da mesa a berrar para cima de mim e eu quase caí da cadeira com o susto. O meu coração batia desenfreadamente com a surpresa. Luís riu-se.

- Desculpa, mas tinha de ver se estavas com atenção. Sabes o que o peregrino viu?
- N-não. - a minha voz era insegura e respirava lentamente.
- Bem, ele olhou para baixo e viu que o chão em que pisava, toda a montanha, era feita nada mais nada menos que de crânios. Milhares de crânios humanos era o que eles pisavam. Foi então que chorou ao mestre:
" - Mestre! Tenho medo!"
e o mestre respondeu:
" - Não temas! Olha em tua volta e debaixo de ti! Diz-me o que vês!"
e o aluno, assustadíssimo:
" - Não me atrevo mestre! Tudo o que me rodeia são crânios de homens! Tenho medo!"
e o mestre, sabiamente:
" - E no entanto, não compreendes. Não sabes do que esta montanha é feita! Fica sabendo, jovem, que cada um destes crânios é teu! Cada um esteve em alguma altura nos teus sonhos e fantasias! Nenhum pertence a outra criatura. Eles são tu e tu és eles!"

Luís parou, fechando os olhos. Olhei para o rapaz de olhos azuis, que tinha ido á cozinha fazer algo á procura de um sinal, mas nada. Ao fim de 2 minutos sem qualquer reacção, atrevi-me a perguntar.

- Já acabou?

Ele abriu os olhos.

- A história. Já acabou?
- Sim, já acabou.
- Não percebi.
- Não esperava que apanhasses á primeira. Ok, se calhar tinha essa possibilidade em mente, mas não era muito provável. O importante é isto: memorizaste-a?
- Sim, acho que sim.
- Óptimo! O resto virá por si só. Agora, penso que tens perguntas para mim. Já deves saber que me chamo Luís. Não te digo um segundo nome porque não tenho mais nenhum. Mesmo assim, estou em melhores condições que ali o tótó, que nem primeiro nome tem. Não é verdade?

O rapaz de olhos azuis não respondeu. Limitou-se a abandonar a cozinha e veio sentar-se na poltrona, a alguns metros de nós.

- E também não fala muito. Tu é que tens sorte, logo quatro nomes. (nome a designar)
- Como é que sabem o meu nome?
- Sei-o como sei que se me cortar magoo-me. Aprendi á muito tempo. Porque é que chamas tartaruga a cada tartaruga que vês? Seguindo a mesma lógica, chamo (nome a designar) a cada (nome a designar) que vejo. E já vi mais do que pensas.

Uma elevação de piano preencheu a sala. Por fim, um de nós disse algo.

- Quem são vocês?
- Isso não te posso responder. Não leves a mal, mas não é por teimosia. Não tenho a resposta a essa pergunta. É algo que terás de descobrir.
- Isso não é justo! Disseste que podia perguntar o que quisesse e respondias! Estás só a escapar-te!
- O que respondias se EU te perguntasse quem és?
- Dizia o meu nome...
- Já to disse.
- ..., o que faço, as minhas intenções...
- Então porque não perguntas simplesmente o que eu faço e quais são as minhas intenções? Achas que estão tão intrínsecas em mim que não podem viver sozinhas? Eu digo-te o que faço. Eu aprendo. É essa a minha função. Não sei fazer outra coisa. Por isso, sou um aluno perfeito. As minhas intenções? As mesmas que as tuas. Sobreviver. Faço questão de viver até morrer, o que espero adiar o mais possível. Até lá, é o que acontecer.

O tom majestoso dos violoncelos diminui até sobrar apenas um tímido arranhar de violino. Eu levanto-me.

- Posso-me ir embora?
- Claro, ninguém te mantém aqui contra-vontade. Suponho que essa seja a tua última pergunta, então.
Aceno afirmativamente. Viro as costas ás duas estranhas personagens e dirijo-me á porta.

- Espera! - diz Luís.
- O que foi?
- És livre de voltar amanhã á mesma hora, se te apetecer. O tótó nunca sai daqui e eu costumo aparecer por cá. É um favor que te peço. Ainda há coisas que gostava de te explicar.

Não lhe respondo. Abro a porta e saio para um corredor decrépito com canos expostos e ferrugem por todo o lado. Encontro o caminho para baixo e para fora e em breve estou na rua, escura ás quase 8 da noite. Corro para apanhar o primeiro autocarro que vejo.

- Achas que volta? - levanta-se o tótó da poltrona e senta-se ao computador.
- Tenho confiança que sim. Ele é diferente do que o imaginava mas todos os básicos estão lá. Vai voltar.
- Da maneira como tu o assustaste, naõ me surpreendia nada que nunca mais cá pusesse os pés.
- A entoação faz o poeta... Ele esteve no quarto do Bob, não foi?
- Sim.
- Disse alguma coisa sobre isso?
- Não. Acho que estava demasiado chocado.
- Ainda era cedo para ele ver aquilo.
- Bem, se não te tivesses atrasado, não teríamos esse problema, não é verdade? Onde estiveste?
- Com a Lídia.
- Outra vez?
- O amor não escolhe hora. Devias tentar apaixonar-te um dia destes. Não te fazia mal nenhum. É melhor do que estar fechado neste pardieiro todo o santo dia.
- Não me queixo. Eu GOSTO de estar aqui. As pessoas confundem-me. Não consigo pensar como deve ser com pessoas ao pé.
- Pensas demasiado. Como agora. Vais mesmo começar a teclar infernalmente nessa coisa com uma melodia tão bonita a tocar? Sente este Allegro.
- Para mim são só notas.
- É impossível conversar contigo. Não tens gosto nenhum. Vou-me embora.
- Agora?
- Como eu disse, o amor não escolhe hora. Vou ver a minha Lídia. Adeus.

Fecha a porta e deixa o rapaz de olhos azuis sozinho, iluminado apenas pelo monitor do computador. Em silêncio, deixa a música chegar ao fim e a agulha levantar-se sem se mover.

(hum... não tenho bem a certeza que nome hei-de dar ao personagem. a princípio pensei em dar-lhe o meu nome, mas descobri agora que me quero afastar desta personagem, apesar de lhe dar muito de mim. algumas sugestões? tem de ter 4 nomes e há preferência a Joões ou que as iniciais formem JAAS)ok, pronto, qualquer nome interessante serve. parvos tb :)

4 comentários:

Anónimo disse...

Excelente =D

João Afonso Almeida da Silva que tal? =P

Anónimo disse...

Não gsto de nomes...

Anónimo disse...

http://world5.monstersgame.com.pt/?ac=vid&vid=30049940

Anónimo disse...

I say briefly: Best! Useful information. Good job guys.
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